Apesar de o Pantanal ser um bioma só, ele está dividido entre os estados do Mato Grosso (MT) e Mato Grosso do Sul (MS), onde as diferenças na legislação ambiental que regula o uso do bioma em cada um dos estados é preocupante. O Pantanal do MS está muito mais exposto à ameaças e o uso indevido da paisagem.
Na constituição de 1988, ficou estabelecido que cada bioma do Brasil deveria ter uma legislação federal própria, que regulamente suas atividades de uso e proteção, respeitando as particularidades de cada ecossistema. Porém, essa legislação federal ainda não existe para o Pantanal, o que permite que fique a cargo de cada Estado legislar sobre a proteção do bioma.
Já faz tempo que estamos monitorando as grandes diferenças entre a legislação que rege o Pantanal nos dois estados. Para o SOS Pantanal e muitos outros especialistas e autoridades no assunto, é nítida a maior fragilidade das leis no estado do Mato Grosso do Sul, apesar de o estado abrigar 65% do Pantanal em território brasileiro.
Para explicar melhor essas diferenças, fizemos uma comparação entre alguns pontos-chave para proteção do Pantanal, mostrando como que as leis que protegem o Mato Grosso do Sul são falhas e mais permissivas, expondo a porção sul da maior planície alagável do mundo a ameaças que podem trazer grandes prejuízos para o bioma.
MT x MS
- Instalação de PCH (Pequena Central Hidrelétrica), Usina de álcool e açúcar, carvoaria, mineração
MT – Proibido
MS – Proíbe apenas usinas de álcool (Sem restrição para as outras atividades)
Todas as atividades citadas acima são consideradas de alto impacto ambiental. No Mato Grosso, são proibidas, enquanto no Mato Grosso do Sul, apenas as usinas de álcool são vetadas, para as outras atividades não há restrição.
- Projetos agrícolas, pecuária intensiva e assentamento
MT – Proibido
MS – Sem restrição
Atividades como plantio de soja e outras monoculturas, pecuária intensiva (criação de animais por confinamento) e assentamentos agrários, são proibidas no Pantanal de MT. Já no MS não há legislação sobre o tema, deixando uma brecha para as atividades acontecerem.
- Transporte fluvial de produtos perigosos
MT – Proibido
MS – Sem restrição
Utilizar rios para transportar produtos considerados perigosos ao meio ambiente e às pessoas, é proibido no MT, enquanto no MS não há restrição para tal atividade.
- Supressão Vegetal
É permitida a supressão de:
MT – 40% da área de imóvel
MS – 50% de vegetação arbórea / 60% de vegetação não arbórea do imóvel
Ignorando recomendações técnicas da Embrapa, o Mato Grosso do Sul permite (através do decreto 14.273/2015) que mais da metade da vegetação nativa de uma propriedade seja retirada ou substituída por pastagem exótica.
- Reserva Legal:
A área de reserva legal exigida em cada estado é:
MT – 35% para formações de Cerrado / 80% para formações de floresta
MS – 20% da propriedade
No Mato Grosso leva-se em consideração o tipo de formação vegetal para autorizar o desmate. Já no Mato Grosso do Sul considera-se apenas o tamanho da área da propriedade como um todo, independente do tipo de formação ali presente.
- Autorização para limpeza de pastagem:
MT – Necessária
MS – Dispensa autorização
No Mato Grosso do Sul, o proprietário pode limpar seu pasto sem a necessidade de uma vistoria ou autorização do órgão ambiental, mesmo se a área já estiver em estado de regeneração. No Mato Grosso, é necessária a licença para evitar que áreas em recuperação sejam degradadas sem um critério mínimo.
- Proteção a baías, corixos, meandros de rio, brejos e ilhas:
MT – Consideradas APP (Área de Proteção Permanente)
MS – Não há proteção
No Mato Grosso, áreas sensíveis e cruciais para a manutenção serviços ecossistêmicos, como as citadas acima, possuem um nível mínimo de proteção. No Mato Grosso do Sul, por outro lado, não há nenhuma proteção legal para estar formações, deixando-as estão expostas à ameaças.
- Proteção a cordilheiras, capões e murundums
Formações típicas do Pantanal, que integram a paisagem do bioma.
MT – Proibida a supressão
MS – Não há restrição quanto a supressão
No Mato Grosso, formações típicas que fazem parte da paisagem do bioma são proibidas de serem retiradas. No Mato Grosso do Sul, mais uma vez, não há restrição quanto sua retirada.
Os efeitos diretos dessa diferença entre as leis
Em outubro de 2015 o Estado de Mato Grosso do Sul promulgou o Decreto Nº 14.273, que dispõe sobre a Área de Uso Restrito da planície inundável do Pantanal. Esse decreto é considerado por muitos especialistas como um grande retrocesso na legislação ambiental. Fica claro como o decreto aumentou a degradação ambiental no Pantanal do MS, conforme os dados abaixo:
- Entre 2009 a 2015, a média anual de supressão vegetal no Pantanal foi de 29 mil hectares/ano
- Já entre 2016 a 2021, a média anual de supressão vegetal no Pantanal foi de 54 mil hectares/ano, quase o dobro da média anterior
- 2019: o Alerta MapBiomas registrou 212 alertas no Pantanal, uma média de desmate de 39,7 hectares/dia. Destes, 33,2 hectares/dia foram no MS, enquanto somente 6,5 hectares/dia foi no MT.
- 2020: o MapBiomas Alerta identificou 25.679,5 hectares desmatados no Pantanal. Destes, 24.723 hectares foram só no Mato Grosso do Sul, enquanto apenas 956 hectares no MT.
- 2021: os alertas indicaram 29.911,5 hectares desmatados no Pantanal, destes, 28.061,9 hectares só no Mato Grosso do Sul, enquanto apenas 1.849,6 hectares no MT.
- 2022: Foram 30.498,4 hectares desmatados no Pantanal, sendo 25.574,4 hectares no MS contra 4.924 hectares no MT
Apesar de o Pantanal ter 65% de seu território no Mato Grosso do Sul, enquanto apenas 35% estejam no Mato Grosso, dados dos últimos anos evidenciam que mais de 91% do desmatamento no Pantanal ocorreu na porção do bioma que se encontra no Mato Grosso do Sul, deixando claro o desequilíbrio causado pela diferença nas legislações vigentes.
O que pode ser feito?
Esses são só alguns dos exemplos de como as leis que protegem o Pantanal no MS estão atrasadas e muito fracas. É preciso nivelar essa régua para cima.
O bioma Pantanal precisa ter uma lei federal específica para regular seu uso, conforme determina a nossa constituição, e essa lei deve ser mais forte, e não mais fraca do que as estaduais já existentes. Afinal, o Pantanal é um patrimônio nacional, deve ser tratado com a devida importância!