Por Roberto Klabin e Felipe Dias, artigo publicado no Jornal Valor Econômico
A Bacia do Alto Paraguai (BAP) é de grande importância para o Brasil, compreende 4,3% do território nacional, entre os Estados de Mato Grosso do Sul (51,8%) e do Mato Grosso (48,2%) e compartilha duas grandes regiões fisiográficas, a Planície (Pantanal) e o Planalto.
As atividades econômicas desenvolvidas no planalto, onde fica o Cerrado brasileiro e celeiro do país, influenciam diretamente nas águas do bioma Pantanal, como chamamos a planície pantaneira.
Localizado no coração da América do Sul, o Pantanal é uma região peculiar e complexa não só pelas suas belezas naturais, como também pelo papel que desempenha na conservação da biodiversidade.
Uma das vocações do Pantanal é a sua capacidade de estocar recursos hídricos. Também chamado de “reino das águas”, esse imenso reservatório de água doce é muito importante para a estabilização do clima brasileiro.
Por ser uma área úmida o Pantanal funciona como uma esponja. Além de regular cheias e secas, armazena e purifica as águas, retém sedimentos, recarrega o nível hídrico do solo, regula o clima local e regional e mantém a grande biodiversidade de fauna (124 mamíferos, 260 peixes e 550 aves) e flora (3.500 espécies de plantas) associada ao ritmo de suas estações.
O Atlas do Pantanal, responsável pelo monitoramento da cobertura vegetal da Bacia do Alto Paraguai (BAP), produzido pelo Instituto SOS Pantanal, revela que o bioma nacional mais preservado ainda é o Pantanal, com 84% de área com vegetação nativa.
Além de uma boa notícia, essa região nos proporciona uma oportunidade única para trilharmos um novo caminho de desenvolvimento e mudarmos antigos paradigmas de progresso.
Nas décadas de 1970-1980 o governo federal criou programas de incentivo que indicavam o Cerrado brasileiro como a nova fronteira agrícola. Por conta destes programas, que acabaram acontecendo sem os devidos cuidados ambientais, restam apenas 39% da vegetação nativa no planalto da Bacia do Alto Paraguai.
Muitas dessas áreas já demandam recomposição de até 11%, o que afeta diretamente a planície pantaneira, altamente dependente das ações que acontecem no planalto e tornou-se um peso econômico para os próprios produtores. A grande maioria vai ter que pagar do próprio bolso pelo reflorestamento, pois o Código Florestal de 2012 reafirmou a recomposição de áreas degradadas como obrigatória no caso de proprietários que tenham desmatado além dos limites legais.
Com a seca no Centro Oeste, o avanço do desmatamento desperta um novo problema; a falta de água. No Pantanal, a maior área úmida continental do mundo e berço do segundo maior complexo de rios do Brasil, já há necessidade de racionamento durante a estiagem. Capitais e grandes cidades são as que mais sofrem com essa inusitada ausência de um recurso outrora abundante. O avanço do desmatamento, principalmente no planalto e região peripantaneira é uma das razões.
Para o Plano Nacional de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai a solução é considerar a bacia como unidade geográfica para gestão da água.
Na maior área úmida continental do mundo já há necessidade de racionamento durante o período da estiagem
O Projeto de Lei 750/2011, conhecido como Lei do Pantanal, tramita no Senado e é especifico para o bioma. Contudo, sendo o Pantanal altamente dependente do “vai e vem das águas”, que tem origem no planalto, para ser eficaz, o PL precisa seguir a mesma diretriz do Plano de Recursos Hídricos e considerar a gestão da Bacia do Alto Paraguai por inteiro.
Neste sentido, é preciso também incluir áreas importantes para a proteção nas políticas públicas e planos de governo. As nascentes dos rios que contribuem para formação do Pantanal são exemplos dessas regiões.
A conversão dessas áreas naturais ocorre com a velocidade de 500 km2 por ano. Estão nessas terras altas os berços dos rios que formam o Pantanal, o conhecido Peri-Pantanal.
Tanto a ocupação das nascentes dos rios que fluem para o Pantanal, como o aumento na velocidade de conversão/desmatamento da planície pantaneira devem ser entendidos além dos impactos ambientais. A questão é econômica, tal qual o racionamento de água nas cidades durante a estiagem. Se escolhermos aplicar no Pantanal o mesmo caminho de desenvolvimento empreendido em outras regiões, convertendo grandes áreas, como no Cerrado brasileiro, estaremos optando por perdas econômicas e de oportunidades.
Apesar da situação alarmante, ainda há uma grande oportunidade para o Pantanal ser um exemplo mundial de desenvolvimento sem degradação. Lutar contra essa verdade é perder dinheiro e a chance de construirmos um novo caminho, uma vez que o Pantanal é um dos poucos biomas, ocupado há mais de duzentos anos e que ainda permanece protegido, com 84% de seu território formado por áreas privadas, as fazendas pantaneiras.
A boa notícia para o Pantanal é que o Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai veio para nos lembrar de que não será mais possível ignorar o avanço do desmatamento. No mesmo sentido o PL 750 referente a Lei do Bioma Pantanal, deve considerar a regulamentação da planície.
É evidente para todos os segmentos da sociedade, principalmente para o pantaneiro, a importância do planalto para a planície e neste sentido é necessária que qualquer proposta de gestão desse território considere a bacia hidrográfica. Um exemplo claro desta afirmação é o rio Taquari, hoje uma das regiões mais degradadas em suas terras altas e com o maior número de rios de planície assoreados. Agora, será necessário um investimento de bilhões de reais para revertermos essa situação.
No caso da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, um recente diagnóstico da Agência Nacional de Águas reconheceu o índice de desmatamento no planalto como uma das principais causas da poluição dos rios do Pantanal. As alterações no uso da terra, principalmente para a implantação de atividades agropecuárias e aumento de pastagens são as raízes do problema.
O desmatamento descontrolado na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai trouxe outro problema para a segurança hídrica do Pantanal, o agrotóxico. Essa potencial poluição atinge a planície pantaneira com um altíssimo poder de toxidade, pois o fluxo natural dos tributários do rio Paraguai, que vem do planalto, reduz o escoamento desse veneno que desce das terras altas.
Sem o controle do desmatamento fica impossível instituir uma política eficaz de proteção das atividades econômicas e do ambiente pantaneiro. Enquanto estivermos impactando o recurso mais importante deste bioma, a água, estaremos impossibilitando o crescimento econômico, que depende do controle do desmatamento e da recomposição das áreas degradadas nas regiões que formam os rios. Sem vegetação natural não haverá água no Pantanal. Sem água não há vida, tampouco atividades econômicas a longo prazo.
Roberto Klabin e Felipe Augusto Dias são, respectivamente, presidente e diretor executivo do Instituto SOS Pantanal