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Incêndios no Pantanal: situação tende a se agravar ainda mais em 2024, dizem especialistas

SOS PANTANAL Incêndios no Pantanal: situação tende a se agravar ainda mais em 2024, dizem especialistas

Os incêndios no Pantanal começaram muito antes do previsto este ano e vem atingindo marcas assustadoras. Especialistas alertam sobre o cenário que se estabelece desde o ano passado, quando o déficit de chuvas começou a anunciar uma seca que poderia aumentar o período de estiagem.

Profissionais que integram a Sala de Crise da Bacia do Alto Paraguai, coordenada pela Agência Nacional das Águas (ANA), alertaram que na bacia do rio Paraguai, principal bacia que abastece o Pantanal e responsável pelo pulso de inundação no bioma, tem registrado chuvas abaixo da média desde o período chuvoso. Por esta e outras razões, a ANA decretou situação crítica de escassez de recursos hídricos na bacia em 14 de maio deste ano.

Em 2020, a região enfrentou uma crise com incêndios florestais sem precedentes, com um aumento de 215% em relação ao ano anterior, consumindo aproximadamente 4 milhões de hectares (cerca de 26% da área total do bioma no território brasileiro), uma área quatro vezes maior que a média observada entre 2001 e 2019.

O Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LASA-UFRJ) emitiu uma Nota Técnica de avaliação da situação do fogo no Pantanal constatando alguns fatos. A análise foi realizada no período de 1º de janeiro de 2024 a 23 de junho de 2024. Foram destacados os seguintes pontos:

  • Dentro deste período, observou-se um aumento significativo das áreas afetadas pelo fogo em comparação aos anos anteriores, sendo até agora um dos mais severos das últimas décadas;
  • O ressecamento do solo observado na região em 2023 e 2024 é sem precedentes em termos de intensidade e duração. Ou seja, as altas temperaturas somadas à falta de chuva por um longo período auxiliaram para que o solo estivesse extremamente seco, facilitando, assim, o alastramento de incêndios;

O sombreamento lilás mostra a extensão espacial da anomalia média de umidade no solo, relacionando a seca no período de 2019 a 2024 – Imagem: João Geirinhas, https://orcid.org/0000-0002-2110-4891, em Nota Técnica LASA-UFRJ

  • O regime de seca persistente de intensidade extrema a moderada perdura nos últimos 12 meses. De acordo com relatório lançado no dia 25 de junho pelo MapBiomas, o Pantanal foi o bioma que mais secou dentro da análise realizada entre 1985 a 2023. A superfície de água anual (pelo menos 6 meses com água) em 2023 foi 61% abaixo da média histórica. Ou seja, 382 mil hectares de redução da área alagada e do tempo de permanência da água;
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Condições de seca persistente na região do Pantanal nos últimos 12, 6, 3 e 1 meses de acordo com o SPEI Global Drought Monitor (Monitor Global de Secas SPEI – https://spei.csic.es/index.html) – Imagem: LASA-UFRJ

A área queimada em 2024 já alcançou 680 mil hectares (4,53% de toda extensão do bioma), ultrapassando 2020, quando comparado o mesmo período do ano. Até junho de 2020, o Pantanal havia queimado 258 mil hectares. Portanto, 2024 já apresenta um aumento de 143% em comparação com o mesmo período em 2020;

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Acumulado diário de área queimada de 01 de janeiro a 23 de junho nos anos de 2020 e 2024 e mediana histórica para o mesmo período no bioma Pantanal – Imagem: Sistema ALARMES, LASA-UFRJ

  • Os incêndios deste ano são de origem humana e não natural (raios);
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Total mensal de raios nuvem-solo (NS) com boa acurácia de localização observados pela rede de detecção de descargas atmosféricas STARNET (operado e disponibilizado pelo Laboratório STORM-T/IAG-USP ) no bioma Pantanal em uma malha de 25km2 – Imagem: IAG/USP

  • As altas temperaturas e o quadro de seca extrema que estão se estabelecendo há tempos contribuíram para um elevado acúmulo de material combustível em toda a região. Matéria orgânica seca torna-se altamente inflamável.
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Mapa combustível para o Pantanal referente ao período de junho de 2024 – Imagem: Sistema de Inteligência de Fogo em Áreas Úmidas – SIFAU/LASA-UFRJ

As previsões são alarmantes para os próximos três meses

 Além destas análises do que já vem ocorrendo desde o início do ano, a equipe do LASA-UFRJ elaborou uma previsão preocupante do cenário de seca e incêndios para os próximos três meses no Pantanal.

  • De julho a setembro, esperam-se temperaturas acima da média e precipitação abaixo do normal. A partir de julho haverá o desenvolvimento das condições do fenômeno La Niña, que pode favorecer a ocorrência de seca, ondas de calor e incêndios no Pantanal, conforme ocorreu em 2020;
  • Quanto às condições meteorológicas, nos meses de julho a setembro de 2024, a temperatura do ar próximo à superfície ultrapassará 2ºC acima da média e a precipitação tem grandes chances de permanecer abaixo do esperado dentro da série histórica (1991-2016) (dados baseados nas análises do European Centre for Medium-Range Weather Forecasts – ECMWF).

Se as condições climáticas atuais se mantiverem nos próximos meses, a probabilidade de que ultrapassemos o número de 2 milhões de hectares consumidos pelo fogo até o final do ano é de 92% e de passar de 3 milhões, é de 80%.

Onde está o fogo?

Apesar de o fogo estar muito intenso, os focos permanecem, até o momento, muito concentrados na porção sudoeste do Pantanal, na região de Corumbá, MS, ao longo dos rios Paraguai e do Paraguai Mirim. Estas regiões são, historicamente, mais habitadas e com mais circulação de embarcações.

Analisando os mapas a seguir, podem-se relacionar as áreas que mais alagam no bioma com as áreas com mais focos de incêndio.

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À esquerda, áreas que mais alagam no Pantanal (GEF et al. 2004). À direita, número de focos de incêndio em um período de 20 anos (1999-2020). A área demarcada com círculo vermelho corresponde ao “corredor do fogo e da inundação” – Imagem: Damasceno-Junior; Pott, 2021

Esta correlação ocorre porque, nas áreas alagadas, há um crescimento mais vigoroso da vegetação, acumulando grande quantidade de biomassa. Nos períodos mais secos e quentes, como este que se estabeleceu agora em 2024, a vegetação abundante e o solo secam, criando uma condição ideal para ocorrência de grandes incêndios.

A questão principal é a origem destes focos. De acordo com dados apresentados pelo LASA na Nota Técnica, liberada no dia 24 de junho, em junho não foi registrada queda de raios no Pantanal, ou seja, não são causas naturais que geraram os focos. Isto indica que estes incêndios estão relacionados com atividades humanas, sejam elas intencionais ou não.

Este cenário reforça a urgência da investigação sobre o início destes focos. É muito provável que estes focos sejam causados devido à ação humana e precisam ser apurados e devidamente responsabilizados para que estas ações não se repitam.

SOS PANTANAL Incêndios no Pantanal: situação tende a se agravar ainda mais em 2024, dizem especialistas

O mapa apresenta os focos de calor no mês de junho e o histórico de propagação dos incêndios – Imagem: SOS Pantanal

 

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Densidade populacional na região do Pantanal – Imagem: SOS Pantanal

O que podemos fazer diante deste cenário?

O problema dos incêndios é complexo e exige uma grande mobilização de todos os setores da sociedade. No início de junho, o Instituto SOS Pantanal soltou uma Nota Técnica sobre a Seca do Pantanal na qual são citadas algumas medidas urgentes que se mostram essenciais para minimizar os impactos deste cenário crítico que já está estabelecido.

  • A instalação de uma Sala de Crise para acompanhar de perto a situação na Bacia do Alto Paraguai é justificada para enfrentar os desafios e as consequências da seca;
  • É imperativo considerar fortemente medidas de prevenção e um preparo adicional para o combate a incêndios, de modo a lidar mais efetivamente com os desafios que estão por vir;
  • Reforçamos o ponto levantado pelo LASA-UFRJ de que há leis vigentes sobre a proibição do uso do fogo nesta época do ano e sob tais condições climáticas extremas. A conscientização da população de que ela também faz parte do problema é crucial neste momento.

 

Para saber mais, acesse aqui as Notas Técnicas:

SOS Pantanal: Nota técnica – Seca no Pantanal

LASA-UFRJ: Nota Técnica 01/2024 – Avaliação da situação do fogo no Pantanal – Junho 2024

Para acompanhar os satélites e alertas sobre incêndios no Pantanal, acesse:

LASA-UFRJ: Alarmes 

BD Queimadas/INPE: Programa Queimadas

NASA: Fire Information for Resource Management System

MapBiomas: Monitor do Fogo

 

Outras referências citadas:

Damasceno-Junior, Pott, 2021