Três araras-azuis foram encontradas, uma morta e duas muito debilitadas, em uma fazenda no Pantanal, Mato Grosso do Sul, Brasil. As duas encontradas ainda com vida foram a óbito logo após serem encontradas e apresentavam sintomas neurológicos alterados. O fato ocorreu no ano de 2014, porém só agora foi divulgado em uma das maiores revistas científicas do mundo, a Scientific Reports, da Nature.
Quem encontrou as araras foi o proprietário da fazenda que é também veterinário, e prontamente enviou a carcaça dos indivíduos para análise do Instituto Arara-azul. As mortes causaram estranheza por parte da equipe da organização, que resolveu ir a fundo nessa história e investigar os motivos que poderiam ter levado à morte dos animais.
A longa experiência da equipe, que a muitos anos vem acompanhando e monitorando populações de araras-azuis nativas da região, é suficiente para afirmar que, além dos incêndios e desmatamento, outro fator é muito relevante para causar diminuições na quantidade de indivíduos: o uso imprudente de agrotóxicos.
Embora os produtos fitofarmacêuticos tenham sofrido adaptação ao longo dos tempos para minimizar os impactos na saúde humana e animal, ainda existem muitos produtos com poucos estudos, que podem causar danos que ainda não conhecemos.
Foi partindo dessa última ameaça que os pesquisadores iniciaram suas buscas sobre a possível causa das mortes das araras.
Como foi feita a pesquisa?
O processo investigativo de causas de mortes é chamado necrópsia, onde são analisadas as condições orgânicas e fisiológicas dos indivíduos. As araras recebidas pela equipe foram necropsiadas e apresentaram condições aparentes bem parecidas.
Para uma análise mais profunda, órgãos viscerais foram encaminhados a um Centro de Atendimento Toxicológico de referência para análise – CEATOX de Biociências do Estado de São Paulo Universidade “Julio de Mesquita Filho” (UNESP – Botucatu, SP). A partir dos dados toxicológicos obtidos pelos especialistas foi possível descobrir o verdadeiro motivo da morte.
Causa das mortes
Os resultados das amostras analisadas confirmaram que a morte das araras se deu por envenenamento por componentes químicos presentes em agrotóxicos, principalmente Organofosforados. Foram encontrados altos níveis de Phosdrin/Menvifos (158,44ppb). Essa classe de agrotóxicos é a que mais causa danos a saúde humana. De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), esses tipos de agrotóxicos são os maiores causadores de intoxicações, sendo responsáveis por um grande número de mortes no Brasil devido à toxicidade aguda.
As araras morreram envenenadas, condizente com o quadro relatado pelo veterinário, quando as encontrou.
Os pesquisadores acreditam que esse tenha sido um caso incomum, por nunca terem encontrado nenhum caso semelhante no Pantanal e pelos componentes responsáveis pela intoxicação serem presentes em agrotóxicos de usos constantes na região. Provavelmente a aplicação do veneno foi pontual e de maneira inadequada, resultando nessa terrível perda para a biodiversidade.
O que podemos concluir com isso?
Não é fácil encontrar carcaças de aves, sendo difícil fazer análises de causas de mortes. Isso mostra que situações que expõem os animais a extremos riscos podem estar ocorrendo corriqueiramente sem que possamos analisá-los e tomar medidas cabíveis.
“Este trabalho é um alerta sobre o uso deste produto nas fazendas do Pantanal. Isso demonstra uma confiança no nosso trabalho, pois o proprietário nos mandou o material”, afirma Neiva Guedes, pesquisadora, presidente do Instituto Arara-azul e professora do Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Uniderp.
Encontrar esses três animais e conseguir realizar uma análise pós morte com os mesmos serviu como um alerta para a toxicidade dos pesticidas e para o quão prejudiciais eles podem ser para o meio ambiente. A intenção do Instituto Arara Azul e de nossos pesquisadores, com os estudos que resultaram nesta publicação, não é a de denúncia e sim de subsídios e alerta na formulação das Políticas Públicas que envolvem a biodiversidade.
Os perigos estão aí, cabe a nós identificá-los antes que seja tarde demais.
Estas informações podem ser encontradas com maiores detalhes no artigo publicado na renomada revista científica Nature, pela equipe do Instituto Arara-azul, clicando aqui.
Texto por Fernanda Sá e Gustavo Figueirôa.