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O pulso de inundação e as decoadas no Bioma Pantanal

SOS PANTANAL O Pulso de Inundação e as decoadas no Bioma Pantanal

Por Stefania C. de Oliveira e Eduardo Rosa

 

No Pantanal, os ciclos de seca e cheia, denominados “pulsos de inundação” são um fenômeno hidrológico importante para o funcionamento ecológico da planície de inundação e dos ecossistemas (Junk et al., 1989). Esse fenômeno regula o funcionamento dos rios com planície de inundação, influenciando a dinâmica hídrica, biogeoquímica e ecológica (Junk et al., 1989; Menezes Junior et al., 2020).

Durante o início da fase de enchente, quando as águas extravasam do rio em direção às áreas de planície de inundação e lagoas marginais, a matéria orgânica em decomposição dos ambientes previamente alagados causa uma rápida redução do oxigênio e aumento do dióxido de carbono dissolvido. Este fenômeno é conhecido como ‘decoada’ e é caracterizado por alterações nos parâmetros físicos, químicos e biológicos das águas, pela interação inicial entre a água da área alagada, solo e a biomassa vegetal seca, podendo levar a expressivas mortandades de peixes, dependendo da magnitude das alterações (Menezes Junior et al., 2020). Portanto, a decoada é um fenômeno intrinsecamente ligado à dinâmica das águas na planície, a manutenção do sistema ecológico na planície e à ciclagem de nutrientes no ecossistema pantaneiro, ocorrendo em função dos ciclos de inundação anual e plurianuais.

O pulso de inundação em 2025

SOS PANTANAL O Pulso de Inundação e as decoadas no Bioma Pantanal

Relação entre inundações e precipitação no Pantanal. (a) Boxplot da precipitação mensal de julho de 1999 a junho de 2020; (b) área anual inundada de 2000 a julho de 2020 (em barras azuis) e precipitação total baseada no ciclo hidrológico (acúmulo de chuva de agosto a julho, em linha preta) – Imagem: Pereira et al., 2021

O Pantanal é um dos maiores sistemas de inundação do mundo, sendo influenciado por fatores climáticos, geológicos e geomorfológicos. A precipitação é um dos principais elementos na dinâmica hidrológica da região, mas sua distribuição temporal e espacial tem grande influência na extensão das áreas alagadas (Pereira et al., 2021). Conforme Pereira et al. (2021), o período mais importante da concentração das chuvas é de dezembro a abril. A análise do padrão de inundação na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP) entre 2000 e 2020 revelou que, em 2011 houve uma grande área inundada (57.969 km²) apesar da precipitação anual relativamente baixa (1.390 mm). Isso ocorreu porque a chuva acumulada entre dezembro e abril (946,97 mm) foi muito superior à média histórica (752,71 mm). Já em 2014, apesar do maior volume anual de precipitação (1.525 mm), a inundação foi menor (52.500 km²), devido à distribuição mais uniforme das chuvas ao longo do ano (Pereira et al., 2021). Esse cenário demonstra que o volume total de chuva não é o único fator determinante da intensidade da inundação, sua concentração dentro da estação chuvosa (de dezembro a abril) tem um papel fundamental na resposta hidrológica do sistema.

Outro fator que desempenha importante função na dinâmica das inundações é a distribuição espacial da precipitação. O regime de chuvas no Pantanal não é homogêneo, apresenta um gradiente onde os maiores volumes pluviométricos ocorrem na porção norte e leste da bacia, na região de planalto, nas bordas da planície pantaneira. As áreas centrais da planície recebem uma quantidade menor de precipitação (Pereira et al., 2021). Esse padrão se deve, em parte, à proximidade da porção norte do Pantanal com a Amazônia, onde há maior disponibilidade de umidade atmosférica (Reboita et al., 2010; Bergier et al., 2013; Thielen et al., 2020). Além disso, a influência do relevo é um fator determinante para a distribuição da chuva, visto que, o efeito orográfico, resultante da interação entre massas úmidas e as elevações do terreno, favorece a formação de chuvas mais intensas na interface entre o planalto e a planície, principalmente sobre as nascentes dos rios Miranda, Aquidauana, Taquari, São Lourenço, Paraguai e Cuiabá (Pereira et al., 2021).

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Visão sinótica do pulso de inundação do Pantanal em 2006. As áreas pretas correspondem a corpos d’água – Imagem: Stevaux et al., 2020

A resposta hidrológica no Pantanal não é imediata

A estação chuvosa começa entre outubro e novembro, com o período mais chuvoso concentrado entre dezembro e abril (Assine et al., 2015). Nos rios da área de captação, há uma forte correlação entre precipitação e vazão, mas nos megaleques fluviais, o pico da vazão ocorre com um atraso de um a dois meses (Assine et al., 2015). A inundação começa no final de janeiro, com as primeiras áreas alagadas na planície dos rios Paraguai-Canzi, devido ao efeito de estrangulamento causado pela Serra do Amolar e pelas planícies do Rio Cuiabá (Assine et al., 2015; Stevaux et al., 2020). Até abril, as planícies a montante do estrangulamento Paraguai-Amolar e algumas áreas dos lobos ativo e antigo do megaleque do Rio Taquari são inundadas (Assine et al., 2015; Stevaux et al., 2020. Em maio, a inundação atinge a planície dos rios Paraguai-Corumbá, incluindo as áreas ativas do megaleque do Taquari. Em junho, o pulso de inundação chega à região do Paraguai-Nabileque, com pico em julho. A partir daí, as águas começam a recuar nas planícies superiores, finalizando entre agosto e setembro, restando apenas a região do Paraguai-Nabileque alagada (Assine et al., 2015; Stevaux et al., 2020).

2025 e os efeitos do La Niña

O ano de 2025 está sendo influenciado por eventos de La Niña (INMET, 2025a), o que pode justificar os acumulados acima de 500 mm nas porções norte e leste da Bacia do Alto Paraguai nos últimos 90 dias (dezembro a fevereiro). Contudo, em comparação ao padrão observado na estação chuvosa, de dezembro a abril (2000-2020), está abaixo da média climatológica que é de 752,71 mm (Pereira et al., 2021). Ou seja, para estarmos dentro da média precisamos de 200 mm acumulados para março e abril de 2025. Além disso, ano de 2024 foi marcado por um período de seca extrema, com a precipitação acumulada de janeiro a maio sendo a mais baixa desde 2020 (MapBiomas, 2024).

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Mapa de Precipitação Acumulada nos últimos 90 dias – Imagem: INMET, 2025

De acordo com o MapBiomas (2024a), os períodos de cheia têm se tornado mais curtos, enquanto os períodos de seca têm se prolongado. Análises mensais da superfície de água e dos campos alagados, de 1985 a 2023, indicam que o Pantanal está alagando uma área menor e permanecendo seco por períodos mais extensos ao longo do ano. O ano de 2023 registrou cerca de 3,3 milhões de hectares inundados, 38% menos do que em 2018 (a última grande inundação) (MapBiomas, 2024a). No ano de 2023, a quantidade de água presente foi 61% menor em comparação com a média histórica do período (MapBiomas, 2024a). Os dados indicam também uma tendência de diminuição das áreas alagadas por mais de três meses ao ano, refletindo não apenas uma redução na área total alagada, mas também uma diminuição na duração dos alagamentos (MapBiomas, 2024).

A cota atual do Rio Paraguai é de 1,50 metros (24 de fevereiro 2025), ainda bem distante da cota de transbordamento de 4 metros, indicando que uma grande cheia não é iminente (Brasil, 2025). Em 2011, por exemplo, a cota do rio no final de fevereiro era de 2,4 metros, subindo para 4,33 metros no final de março e alcançando 5,62 metros em maio (Brasil, 2025). Já em 2018, a última grande cheia, a cota estava em 3,7 metros no final de fevereiro, chegando a 5,28 metros no final de junho (Brasil, 2025). No entanto, se as chuvas no planalto continuarem fortes e a cota do rio em Ladário-MS atingir os 4 metros ou mais, é possível que 2025 seja marcado como um ano de cheia mínima ou moderada.

Definição do cenário de seca

Nesse cenário, o mês de março será crucial para determinar a magnitude das inundações, pois a precipitação nesse mês apresenta grande variação dentro da estação chuvosa e está fortemente correlacionada com a área total inundada no Pantanal (Pereira et al., 2021). Contudo, se a irregularidade das chuvas persistir e a quantidade de precipitação não for suficiente para alimentar o Rio Paraguai e seus afluentes, não veremos um “pulso de inundação” como o de 2018. O alongamento dos períodos de seca após 2018 tem tornado o Pantanal mais vulnerável a focos de incêndio, e, com o acúmulo de matéria seca, a propagação dos focos se torna de difícil controle. Portanto, é necessário atenção contínua ao ciclo das águas e preparação para o período seco, seja em caso de um pulso de inundação modesto ou da ausência dele.

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Foto: Gustavo Figueirôa

Referências:

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BERGIER, I. Effects of highland land-use over lowlands of the Brazilian Pantanal. Science of the Total Environment, v. 463–464, p. 1060–1066, 2013.

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GALDINO, S.; CLARKE, R. T. Probabilidade de ocorrência de cheia no Rio Paraguai, em Ladário, MS – Pantanal. Corumbá: EMBRAPA-CPAP, 1997.

INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). Precipitação acumulada nos últimos 90 dias. Última modificação em 2025. Disponível em: . Acesso em: 20 de fev. de 2025.

INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA (INMET). Impactos do La Niña no clima brasileiro: o que esperar em 2025. Brasília, 2025a. Acesso em: 20 fev. 2025.

JUNK, W. J.; BAYLEY, P. B.; SPARKS, R. E. The flood pulse concept in river-floodplain system. In: DODGE, D. P. (Ed.). Proceedings of the International Large River Symposium. Ottawa: Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences, p. 110–127, 1989.

MAPBIOMAS. Nota Técnica Pantanal. 2024. Acesso em: 24 fev. 2025.

MAPBIOMAS. Redução de superfície de água no Pantanal favorece incêndios. 2024a. Acesso em: 24 fev. 2025.

MENEZES JUNIOR, M. Q.; OLIVEIRA JUNIOR, E. S.; SOUZA, C. A. The ‘decoada’ phenomenon effect on the Paraguay river water quality, Northern Pantanal. Revista Ibero-Americana de Ciências Ambientais, v. 11, n. 5, p. 612-623, 2020.

REBOITA, M. S.; GAN, M. A.; DA ROCHA, R. P.; et al. Precipitation regimes in South America: A bibliographic review. Brazilian Journal of Meteorology, v. 25, n. 2, p. 185–204, 2010.

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THIELEN, D.; SCHUCHMANN, K.-L.; RAMONI-PERAZZI, P.; et al. Quo vadis Pantanal? Expected precipitation extremes and drought dynamics from changing sea surface temperature. PLoS ONE, v. 15, n. 1, e0227437, 2020.