Por Giovana Girardi | Fonte: O Estado de S. Paulo
Campos naturais, como este, estão sendo substituídos por gramíneas, como a braquiária.
Bioma, que era considerado o mais preservado, tem uma taxa de degradação anual de 500 km², provocada pela conversão de campos naturais por pastos exóticos
Maior planície inundável do mundo, com campos naturais que tradicionalmente foram ocupados por gado solto, em uma pecuária extensiva considerada sustentável, o Pantanal está perdendo área para pastagens exóticas e observa a soja chegando ameaçadora a partir do vizinho Cerrado.
Monitoramento feito pelo Instituto SOS Pantanal divulgado ontem aponta que o bioma já perdeu, até o ano passado, 15,7% da sua área de vegetação nativa, ou 23.700 km², um pouco maior que o Estado do Sergipe. O principal motivo é essa conversão para gramíneas não nativas, como a africana braquiária, para uma intensificação da pecuária.
O problema vem crescendo desde o início do século. Em 2002, a estimativa era de perda de apenas 10,9% da vegetação nativa. A alta até agora é de 44%, num ritmo de conversão de cerca de 500 km² por ano. Essa velocidade assusta quando comparada com valores da Amazônia, bioma 27 vezes maior, e que perdeu, em média, nos últimos anos cerca de 5 mil km².
A pressão ao bioma também vem do que ocorre em seu entorno. Por isso o trabalho destaca as alterações sofridas em toda a Bacia do Alto Paraguai, onde o Pantanal está inserido. A planície pantaneira é cercada por terras altas, onde se encontram as nascentes dos rios que vão irrigá-la. No planalto, houve alteração humana em 61% da área (ou 132.592 km² – um pouco maior que a Grécia), especialmente pela expansão da pecuária e da soja.
A vida secreta das onças
A vida secreta das onças Temidas e caçadas impiedosamente em vários cantos Brasil, as onças-pintadas estão hoje ameaçadas de extinção pela ação do homem. Em “Panthera onca, à sombra das florestas”, o biólogo Rogério Cunha de Paula, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a jornalista Laís Duarte, o coordenador do Projeto Onçafari, Mario Haberfeld, e o fotógrafo Adriano Gambarini, trazem informações científicas e histórias que mostram que animal fantástico o Brasil e o mundo estão perdendo. O livro de 304 páginas, com cerca de 300 fotos, editado pela Avis Brasilis, está em preço promocional de R$ 49
Impacto cultural O livro também revela a forte influência que as onças tiveram na cultura de povos antigos no Brasil, estando presente em várias lendas e pinturas rupestres. Um dos relatos é a len da dos Nambiquara, que habitam do sul de Rondônia ao noroeste do Mato Grosso, sobre a origem das onças. “Houve um tempo em que onças eram gente, de pele amarela, lisa, pelada. Até que um dos homens da tribo virou onça ao lado do hatisu (cesto típico feito pelos homens da tribo). E ao cruzar a trama (do cesto) aberta teve a pela marcada com pintas negras. Estava o bicho marcado para sempre. E estava a gente marcada pelo bicho.” (Fotos: Adriano Gambarini)
Preta também é pintada Onças pretas também são pintadas, mas elas têm muito mais melanina, por isso ficam dessa coloração. No livro, os autores explicam que, na verdade, todas as onças nascem com pintas . “Ao nascer, todas as onças são tão selvagens quanto pintadas. Sim, até onças pardas nascem pintadas, como se nas pintas residisse sua alma valente. E por baixo de todo o pelo, as pintas permanecem, tatuadas na pela, gravadas em suas células, parte do ser onça”, escrevem na introdução Foto: Adriano Gambarini
Incansável “Bicho solitário, andarilho, errante. Capaz de não se cansar. Capaz de enxergar na escuridão. Não vê fronteira nem cerca, não toma partido em conflitos fundiários nem em dilemas fronteiriços.” Foto: Rogério Cunha
Crepúsculo Em geral possuem hábitos crepusculares, estão mais ativas no entardecer e o amanhecer, mas também podem desenvolver muitas atividades à noite, escrevem os autores Foto: Adriano Gambarini
Gatão Terceiro maior felino do mundo, a onça-pintada perde em tamanho apenas para tigres e leões. O maior animal encontrado no Brasil foi um macho capturado no Mato Grosso para fins de pesquisa. Ele pesava 148 kg. Em geral os machos são 20% a 25% maiores que as fêmeas. De acordo com os autores, estudos mostram que em ambientes mais abertos, sem a predominância de florestas, como ocorre no Pantanal, as onças tendem a ser maiores.
Predador “Não há criatura no continente que esteja fora do alcance delas: aves, peixes, répteis, grandes antas, ágeis roedores, primatas acrobatas (…). Suas pintas são como impressões di gitais: não existe uma igual a outra em qualquer rincão isolado, boca de mata, beira de rio, zoológico”, escrevem os autores
Em busca da presa fácil O tamanho dos animais parece estar ligado à oferta de alimentos em cada região onde o animal ocorre. O fato de os maiores estarem no Pantanal pode estar ligado à pecuária em larga escala realizada no bioma. “É possível inferir que o gado bovino pode ter um papel importante na evolução das onças que ocuparam ambientes abertos (…). A ampla oferta de bezerros e bois pode ter, ao longo do tempo, conferido a configuração corpórea maior, com massa muscular mais forte, o que permitiu o abate de presas bem maiores”, escrevem
Em perigo Essa relação com o gado, porém, foi um dos fatores que colocou a espécie em perigo. Fazendeiros que perderam uma cabeça ou outra adotaram a postura de matar se veem uma onça pela frente. O biólogo Rogério Cunha conta que, desde que o livro, foi lançado, tem levado-o onde há relatos do tipo para explicar, no campo, como é o comportamento do animal
Perda de habitat Aliada à caça, a redução de habitat é outro fator fundamental por colocar a espécie em situação de extrema ameaça. O animal, por seu porte, precisa de grandes extensões de mata pa ra viver, mas somente na Amazônia e no Pantanal hoje a onça pintada encontra esse cenário. Na Mata Atlântica, onde ela também ocorria, há pouquíssimos animais. Estudo feito pela equipe de Rogério Cunha calculou que há menos de 300 exemplares no bioma. E os animais estão isolados e espalhados Foto: Adriano Gambarini
Em toda a bacia, 55,5% da área já foi dominada por pastagem, sendo 17% disso no Pantanal. A agricultura já cobre 11,7% da área total, sendo 1% na planície. A soja vai chegando pelas bordas, ao norte do bioma e ao sul, na região de Bonito. “A soja não pode ser inundada, ou morre, então para vir para cá teriam de ser feitos drenos. Mas se fizer isso acaba com o Pantanal. Fizeram isso em Bonito e isso já inviabilizou o esquema de mergulho em uma fazenda”, diz Felipe Dias, diretor executivo do Instituto SOS Pantanal.
Por um lado, essas modificações nas nascentes no planalto já levaram a assoreamento dos rios. Os sedimentos que chegam à planície acabam se acumulando, provocando, em algumas regiões, inundações ainda maiores do que as habituais. Por outro lado, a perda de vegetação impacta a própria oferta de água.
Esponja. “O Cerrado (no planalto) é um grande aquífero. De origem arenítica, funciona como uma esponja que armazena água. Por isso, apesar de só chover no verão e ser seco no inverno, os córregos continuam correndo porque o aquífero os abastece. Ma se retira a vegetação, a água não infiltra, e o volume de água que desce para a planície é menor”, explica Dias.
Por conta disso, os pantaneiros têm observado que as cheias diminuíram, alterando o regime característico do Pantanal. “A instalação de atividades no planalto já causou mal aqui. Imagine se vierem mais para cima da planície?”
Em razão desse cenário, a ONG e outros especialistas em Pantanal defendem a criação de um marco legal específico sobre o bioma, a exemplo da Lei da Mata Atlântica, que proíbe quaisquer novos desmatamentos, exceto com autorizações, como para obras de interesse público.
O tema deverá ser discutido na quinta-feira, em Brasília, no Ministério do Meio Ambiente, com os governadores de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde ocorre o Pantanal. O objetivo é construir políticas públicas para a proteção do Pantanal e o desenvolvimento econômico de suas potencialidades, como o turismo integrado com as práticas econômicas que já existem.