Ricardo Mendonça, Jornal Valor Econômico
Pela primeira vez desde o início das medições, a taxa de desmatamento no Pantanal (a planície da chamada Bacia do Alto Paraguai, BAP) foi maior que a de seu já deteriorado entorno, a região mais alta que contorna a área alagável, o planalto. Conforme dados apurados pela organização não governamental SOS Pantanal, a planície perdeu 495 quilômetros quadrados no período 2016/2017 enquanto o planalto perdeu 410 mil.
O total de 905 mil quilômetros quadrados de áreas naturais da BAP convertidas para agricultura, silvicultura, pastagem, miineração e urbanização equivale a quase três vezes o tamanho de Belo Horizonte. Mesmo assim, foi a menor média anual de desmatamento desde 2002, início da série de medições, confir- mando uma aparente tendência de queda lenta da taxa de toda a BAP (ver tabela ao lado).
A redução gradual de desma- tamento no conjunto da bacia, porém, não chega a ser uma boa notícia. Primeiro porque o avan- ço sobre a área do Pantanal já foi menor (entre 2010 e 2012, por exemplo, a média anual foi de 400 quilômetros quadrados). Se- gundo porque não é irrazoável intuir que o ritmo de desmata- mento no planalto só não é maior hoje porque, tomada por pastos e plantações, essa região que contorna o Pantanal já é severamente desmatada.
No acumulado, o planalto per- deu 61,1% de sua vegetação original (15 anos atrás, esse total era de 54,5%). É no planalto que estão as nascentes dos principais rios que formam o Pantanal. Na planície, o desmatamento acumulado representa hoje 16% de sua área total ante 10,9% em 2002.
Para fazer as medições, a SOS Pantanal usa imagens coletadas por satélite e faz um refino das informações com sobrevoos nas regiões mais críticas. Dados detalhados sobre a perda da vegeta- ção natural do Pantanal e entorno foram apresentados no fim de outubro em Miranda, no Mato Grosso do Sul, num evento que reuniu pesquisadores, ambientalistas, produtores rurais e polí- ticos do Estado e de Mato Grosso.
Além da divulgação da taxa de desmatamento, os participantes fizeram uma espécie de balanço de um ano da chamada Carta Caiman, um documento de princípios pró-Pantanal assinado em 2016 pelo ministro do Meio Am- biente, Sarney Filho, e pelos governadores tucanos Reinaldo Azambuja (MS) e Pedro Taques (MT), entre outros.
Promotora do encontro, a SOS Pantanal aproveitou a ocasião para defender a aprovação de uma lei que regulamente a proteção e o uso sustentável do bioma, um dos principais itens da carta. A ideia é criar uma norma nos mesmos moldes da Lei da Mata Atlântica, de 2006. A necessidade de uma legislação específica para o Pantanal é prevista na Constituição, mas nunca foi regulamentada.
Projeto elaborado pelo então senador Blairo Maggi (PP-MT, atual ministro da Agricultura) tramita no Senado. Modificado para uma versão mais permissiva pelo suplente Cidinho Santos (PR-MT), aguarda apreciação na Comissão de Assuntos Econômicos.
O Pantanal é uma grande planície cortada pelo rio Paraguai com- posta por uma extensa rede de afluentes sujeitos a um regime hídrico de cheias sazonais. Sem igual no mundo, a planície é considerada a maior área úmida do planeta. Reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco — título que quase perdeu recentemente por atraso do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul em instituir conselhos para acompanhamento das políticas de preservação —, abriga 3.500 espécies de plantas, 550 de aves, 124 de mamí- feros, 80 de répteis, 60 de anfíbios e 260 peixes.
Principal articulador da Carta Caiman, o empresário Roberto Klabin, presidente da SOS Panta- nal (e um dos fundadores da SOS Mata Atlântica, em 1986), costu- ma falar com entusiasmo sobre o potencial da região para turismo de aventura e de observação de animais, mas alerta sobre os ris- cos da inexistência de um marco
regulatório para o futuro região. Ele usa exemplos internacionais positivos e negativos para ilustrar riscos e potenciais do Pantanal. O negativo é o do Everglades, enorme planície alagada no sul da Flórida (EUA) que era ti- da como grande área inútil no fim do século XIX. Ao longo do século XX, a área foi palco de agressivas obras de drenagem e canalização para favorecer a agricultura e abastecer cidades próximas, como Miami. Até entrar em colapso com o desaparecimento de espécies, perda da biodiversidade e grave contaminação das águas.
Nos anos 90, após décadas de denúncias e evidências dos problemas causados pela degrada- ção, o então presidente Bill Clin- ton aprovou um plano de recuperação. Um gasto de US$ 10,5 bilhões para restaurar parte do ecossistema perdido.
O caso positivo é o do Delta do Okavango, em Botswana, região de inundações sazonais famosa pela presença de grandes mamí- feros. Preservado a partir de es- forço consciente do governo e da sociedade local, virou referência internacional de turismo e hoje recebe de visitantes de todo o mundo para safári fotográfico.
“O Pantanal é um diamante bruto”, diz Klabin. “Pode ser la- pidado e gerar riqueza, ou pode desperdiçar esse potencial para sempre, conforme o que for de- cidido hoje. Não queremos con- gelar nada. Queremos desenvol- ver, evoluir, compreender, valo- rizar e proteger.”