É o alerta de ONGs sobre a proposta enviada pela Secretaria de Meio Ambiente à Assembleia que propõe a redução da Área de Proteção das Cabeceiras do Rio Cuiabá
A área onde estão as nascentes do rio Cuiabá está correndo novo risco. A região conhecida como Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual das Cabeceiras do Rio Cuiabá protege não somente os rios que formam a Bacia Pantaneira, mas também importantes formadores da Bacia Amazônica, como as nascentes dos rios Teles Pires e Juruena.
A APA possui 473.411 hectares e é localizada no centro-sul do estado. Antes esquecida pela pecuária, hoje essa porção tornou-se um dos principais pontos da expansão da lavoura de grãos.
Desde 2017, um projeto de lei tramita na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), para permitir o desmatamento nessa importante Área de Proteção Ambiental. Uma flexibilização que pode trazer mais assoreamento e poluição para a principal fonte de recursos hídricos de mais de 1 milhão de pessoas da Baixada Cuiabana e afetar o equilíbrio do bioma Pantanal. O projeto de lei tramita desde março deste ano e surgiu de uma proposta da própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente.
Um relatório da organização não governamental, Instituto Centro de Vida (ICV), a que o Circuito Mato Grosso teve acesso exclusivo revelou que caso a proposta seja aprovada pelos deputados da ALMT 143 proprietários que já produziram desmatamento na região serão diretamente beneficiados.
Segundo dados do estudo, o desmatamento acumulado até 2015 na APA Cabeceiras do Rio Cuiabá é 182.688 hectares. Isso corresponde a 40% do total da APA, que possui área calculada de 461.757 hectares – sendo que as informações de desmatamentos recentes no interior da APA demonstravam que 81% dos desmates ocorreram em imóveis rurais cadastrados na base do CAR (Sema). Verificou-se que 65% dos desmates recentes ocorreram em propriedades acima de 3.417,38 hectares.
O estudo da ONG identificou com nome do imóvel e do proprietário, 143 propriedades localizadas na APA. Segundo a ONG, a própria Sema tem acesso a esses dados também.
“A proposta do Executivo é um duplo problema, pois vai também contra os compromissos internacionais que o governo de Mato Grosso assumiu diante da COP-21”, explica Alice Thuault, diretora-adjunta do ICV. “A ação do governo é paradoxal. Ele tenta arrecadar 160 milhões de reais afirmando que irá preservar a Amazônia e ao mesmo tempo lança uma proposta tentando reduzir a proteção de uma unidade de conservação, não em conciliar as duas atividades”, alerta.
Audiência pública polêmica
A Assembleia Legislativa de Mato Grosso realizou no dia 20/2 uma audiência pública para discutir o Projeto de Lei nº 591/2017 (Mensagem 111/2017), de autoria do Poder Executivo. O debate foi solicitado pelo deputado Oscar Bezerra (PSB), que é favorável à proposta do governo. “Hoje, a APA das Cabeceiras do Rio Cuiabá está como a Reserva Ricardo Franco, onde não é permitida nenhuma atividade econômica. São mais de 400 hectares (na APA das Cabeceira), todos antropizados, com lavouras. Nós queremos regulamentar para que a exploração de forma correta seja possível e que a APA seja utilizada de forma sustentável”, defende o parlamentar.
Participaram do debate a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado (Aprosoja), Federação de Agricultura e Pecuária do Estado (Famato) e produtores locais.
Os representantes das entidades de produtores e produtores locais afirmaram durante a audiência que consideram importante acabar com a restrição total de novos desmatamentos na área. Eles reclamam de problemas judiciais que a atual legislação provoca e alegam que há excesso de impedimentos para a exploração de propriedades adquiridas legalmente.
Os promotores de justiça levantaram a possibilidade de uma crise hídrica a partir da liberação de novos desmatamentos. “Cadê o estudo técnico? O que já existe de exploração? E quais serão as consequências do licenciamento de novos desmatamentos?”, questionou a promotora da Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá, Maria Fernanda Corrêa da Costa.
Débora Calheiros, conselheira da APA das Cabeceiras do Rio Cuiabá, também criticou a proposta e a falta de estudos que embasam a ação da Sema. Para ela, deveria ser feito um plano de manejo antes de se alterar a lei. A ONG Instituto SOS Pantanal enviou um ofício a entidades oficiais como o governo do Estado e a própria ALMT, alertando sobre os riscos da proposta. “A medida causará danos irreversíveis que comprometerão ainda mais o regime hídrico do bioma Pantanal, que é tão dependente da água que escoa pelos rios que o abastecem. Fica claro que a alteração proposta de alteração da PL 38/2017 contraria os preceitos de precaução e prevenção, e que visa facilitar a retirada de vegetação para implantação de atividades agrícolas e mineração que causam impactos significativos na paisagem e na qualidade da referida unidade de conservação”, afirmou Felipe Dias, diretor executivo do Instituto.
Dias também relembrou que o governo Taques estaria se esquecendo de compromissos assinados com a proteção do meio ambiente. “O governo de Mato Grosso, representado pelo governador, assinou a Carta Caiman e, dentre outros compromissos, assumiu rever o plantio de monoculturas que avançam em direção ao Pantanal. O Projeto de Lei 38/2017 contraria os compromissos assumidos na Carta Caiman e dificulta o esforço de construir, por meio do diálogo, as bases para o desenvolvimento do Pantanal considerando a sua vocação social, ambiental e econômica”, afirma Dias.
Sema rebate que medida é sustentável
O assessor-chefe da Sema, Rodrigo Quintana, garantiu que a proposta não trará qualquer prejuízo para a APA. Ele argumenta que a alteração na lei é na verdade apenas uma adequação legislativa para dar segurança jurídica aos produtores e empreendedores que exploram propriedades na área. “Das seis APAs de Mato Grosso, esta é a única que conta com esse dispositivo (proibição de novos desmatamentos)”, lembra Quintana. Ele também assegurou que a pasta vai analisar todos os pedidos de licenciamento dentro da área. Assim, somente serão autorizados novos desmatamentos que não causem dano ao meio ambiente.
Em nota, a assessoria de imprensa da Sema afirmou que a proposição apresentada visa adequação do regime jurídico da APA Cabeceiras do Rio Cuiabá com as características e objetivos delineados no Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei 9985/2000), e Sistema Estadual de Unidades de Conservação – SEUC (Lei Estadual 9502/2011), uma vez que a Área de Proteção Ambiental é unidade de conservação do grupo de uso sustentável, cujo objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.
Assim, a vedação prescrita no inciso VIII, art. 4º, da Lei 7161/1999, retira por completo a possibilidade de uso sustentável de parcela dos recursos naturais da APA Cabeceiras do Rio Cuiabá, desconfigurando o Sistema de Unidades de Conservação. A vedação absoluta é própria do regime jurídico das unidades de conservação do grupo de proteção integral e não das de uso sustentável.
Portanto, a proposição atende unicamente à compatibilização da APA Cabeceiras do Rio Cuiabá aos critérios e normas de gestão elencados no Sistema Nacional de Unidades de Conservação e Sistema Estadual de Unidades de Conservação.
Para a Sema, a justificativa da medida seria de compatibilização da Lei 7161/1999 ao regime jurídico das unidades de conservação de uso sustentável, que tem por finalidade conferir segurança jurídica aos procedimentos de análise dos pedidos de autorização previstos no art. 6º da referida lei, que por sua vez dispõe que depende de autorização da Sema-MT a abertura de vias e canais, implantação de projetos de urbanização, escavações, atividades minerais, industriais, agrícolas e outras que impliquem alterações ambientais. O mesmo artigo ainda prevê os requisitos necessários para a análise dos pedidos de licenciamento.
Desse modo, a vedação do inciso VIII, art. 4º, da Lei 7161/1999 se contrapõe a todo e qualquer pedido de licenciamento, uma vez que, em sua grande maioria, mesmo as atividades de baixo impacto ambiental dependem de algum tipo de supressão de vegetação para implantação.
Em seguida a entidade argumenta que: a garantia de proteção dos rios citados está prevista em todo arcabouço legal de proteção das unidades de conservação de uso sustentável, que permite apenas e tão somente a exploração do ambiente, garantindo a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável.
Os outros sete incisos do art. 4º da Lei 7.161/1999 são suficientes para conferir garantias técnicas de que a supressão do inciso VIII não colocará em risco a proteção dos rios, pois vedam expressamente a implantação de atividades potencialmente poluidoras que impliquem danos ao meio ambiente ou afetem mananciais de água e as matas em seus entornos.
Além disso, todo e qualquer pedido de licenciamento de atividade no interior da APA será analisado pela Secretaria Adjunta de Licenciamento Ambiental e Recursos Hídricos e pela Coordenadoria de Unidades de Conservação. Portanto, somente serão admitidas atividades que se compatibilizam com o uso sustentável disciplinado pelas leis.
Por fim, temos segurança quanto a essa alteração legislativa, uma vez que as outras APAs Estaduais não contam com esse dispositivo, e não se tem notícia de que a falta dele coloca em risco a proteção ambiental.