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Seca no Pantanal: a nova realidade da maior planície alagável do planeta

SOS PANTANAL Seca no Pantanal: a nova realidade da maior planície alagável do planeta

O Pantanal é conhecido por ser a maior planície tropical alagável do mundo, com 195.000 km², e aproximadamente 80% dela é localizada no Brasil, entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. 

Porém, ano após ano, o bioma tem passado por períodos de seca cada vez mais longos, o que tem mudado drasticamente as caraterísticas da região. Vamos entender o que está acontecendo.

Secas históricas estão se tornando cada vez mais comuns

Pesquisadores do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e da Unesp (Universidade Estadual Paulista) publicaram um artigo científico indicando que, durante os verões de 2019 e 2020, a seca no Pantanal foi agravada principalmente pela falta de chuvas, causada pela redução do transporte de água pelos “rios voadores” da Amazônia para o Pantanal. Naquele período, o bioma enfrentou a maior seca dos últimos 40 anos.

SOS PANTANAL Seca no Pantanal: a nova realidade da maior planície alagável do planeta

Rios voadores alimentam o ciclo hidrológico no Brasil – Foto: Projeto Rios Voadores

Em 2024 o bioma bateu um novo infeliz recorde, registrando o período mais seco dos últimos 70 anos. Os dados são preocupantes e assustadores, e não é por menos. De acordo com um recente levantamento do MapBiomas, o Pantanal foi o bioma que mais secou ao longo dos últimos 38 anos, período que compreende a série histórica analisada via satélites pela instituição (de 1985 a 2023). A superfície de água reduziu para 381 mil hectares em 2023, representando uma redução de 61% em relação à média histórica (956 mil hectares).

A primeira grande cheia do Pantanal registrada pelo MapBiomas foi em 1988, quando 6,8 milhões de hectares foram inundados. Em 2018 registrou-se a última grande cheia no bioma, que cobriu 5,4 milhões de hectares. E, em 2023, a área alagada foi de 3,3 milhões de hectares, 38% menor do que em 2018, apenas cinco anos antes.

O Pantanal já experimentou períodos secos prolongados, como nas décadas de 1960 a 1970, mas atualmente outra realidade, de uso agropecuário intensivo e de substituição de vegetação natural por áreas de pastagem e agricultura, principalmente no planalto da Bacia Alto Paraguai, alteram a dinâmica da água na bacia hidrográfica”, explica Eduardo Rosa, coordenador de mapeamento do bioma Pantanal no MapBiomas.  

O levantamento também apontou que as áreas estão permanecendo por menos tempo alagadas, ou seja, o período seco está se estendendo cada vez mais. Outro dado alarmante apresentado pelo relatório é que a mudança no período de cheias no bioma fez com que áreas que, historicamente, eram alagadas, se tornassem secas, alterando o padrão de vegetação. Cerca de 22% (421 mil hectares) da área de savana do Pantanal se formou por meio de locais que mudaram de áreas alagadas para secas.

Em resumo, nas últimas décadas as cheias no Pantanal tem alagado áreas cada vez menores, e durado menos tempo no bioma.

Alteração no padrão de cheias e secas aumenta chance de queimadas no Pantanal

Áreas que antes eram permanentemente alagadas, principalmente ao redor do rio Paraguai, hoje se encontram secas. Mudanças na paisagem, substituição de áreas florestadas por áreas de pastagem e o avanço indiscriminado de monoculturas no planalto em seu entorno, influenciam diretamente na dinâmica das águas pantaneiras, diminuindo o volume que entra no sistema todos os anos. Isso tudo é potencializado pelas mudanças climáticas, que tem tornado eventos extremos mais frequentes e intensos.

Para os pesquisadores do MapBiomas, a frequência de incêndios que acometem o Pantanal é decorrente de alguns fatores, como predominância de vegetação campestre, alta incidência de variações no regime de inundação da planície e períodos de seca prolongados, acompanhados de ondas de calor (cada vez mais frequentes). Isso somado ao fator humano, responsável por mais de 95% das ignições no bioma, geram o cenário perfeito para o agravamento dos episódios de incêndios florestais.

A planície pantaneira é afetada diretamente pela dinâmica da cobertura vegetal e os tipos de uso da terra no planalto da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai. Portanto, tudo que acontece no planalto pantaneiro (região de integração dos biomas Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica no Brasil), reflete no Pantanal. Além de ser o berço das nascentes de rios que descem para a planície pantaneira, o planalto apresenta um relevo formado por serras, chapadas e depressões, que desempenham o importante papel de direcionar. Em uma rápida analogia, é como se o planalto fosse as “raízes”, enquanto a planície é a “copa” da árvore.

A complexidade de paisagens que compõem o Pantanal é desafio para proteção

Quando se fala em Pantanal, há uma generalização de um bioma composto por 11 microrregiões (confira todas elas aqui) com características únicas. Assim, a seca afeta cada uma destas regiões de maneira diferente, também influenciando na dinâmica de incêndios.

Os estudos do MapBiomas mostraram que, de 1985 a 2023, 59% do bioma queimou ao menos uma vez e, destes, 73% das áreas queimaram duas vezes ou mais. Estas queimadas constantes podem levar à perda de resiliência de recuperação, além de uma mudança drástica na fauna e flora que habitam a região. 

De acordo com relatório do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LASA/UFRJ), o Pantanal apresentou um regime de seca de intensidade excepcional em 2024, com altas temperaturas e seca extrema, levando a um elevado acúmulo de material combustível. Com isto, a área queimada acumulada de 2024 foi 2,6 milhões de hectares, tornando 2024 o segundo pior ano de incêndios florestais na história, atrás apenas de 2020.

Outro importante dado a ser levado em consideração é o monitoramento do nível do rio Paraguai, principal rio que abastece o Pantanal, que tem registro desde 1900. Este indicativo demonstra que o rio tem secado e não retornado a seus níveis normais ao longo dos anos.

Uso do solo do Pantanal vem se alterando

O cenário de mudanças climáticas, aumento da temperatura média, redução de precipitação tem contribuído para a seca no bioma. Mas, o que realmente pode estar influenciando na velocidade com que o bioma seca é a alteração do uso do solo pantaneiro.

O manejo do fogo, áreas de pastagem e a dinâmica das cheias sempre foram entendidas pelo povo pantaneiro, que possuíam conexão com o local e praticavam as atividades conforme a época do ano e a dinâmica climática.

Será o fim do Pantanal?

Recentemente, a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, disse que não haverá mais Pantanal antes mesmo de 2100. Seguida por uma previsão ainda mais pessimista do renomado cientista climático Carlos Nobre, de que em menos de 70 anos o Pantanal deixaria de ser como o conhecemos hoje, devido às alterações territoriais e climáticas.

De acordo com os levantamentos e imagens de satélite que se tem registro até hoje, nota-se que há uma grande alteração, mas cientistas acreditam que estas análises, isoladamente, ainda não podem ser consideradas para tal afirmação. Existe uma tendência, que vem se confirmando e se acelerando por conta dos diversos fatores já citados, deixando os cientistas muito preocupados e temerosos. 

Há algo que possa ser feito para reduzir os impactos da seca?

Sozinho, o Pantanal não conseguirá se recuperar. As alterações são profundas e contínuas. As mudanças climáticas estão cada vez mais intensas, e o que se pode ser feito no momento é reduzir os impactos dos danos que irão acontecer daqui pra frente.

A única estratégia viável é a recuperação de áreas degradadas, principalmente no planalto em torno do Pantanal, com plantio de árvores nativas, para que a planície e todas as áreas no país altamente afetadas consigam ter a chance de se recuperar e recuperar sua capacidade de retenção de água.

O SOS Pantanal, pensando nisso, executa o programa “Águas que falam”, com o objetivo de levar água ao povo pantaneiro e, mais que isso, restaurar áreas com vegetação nativa, controlar erosão e recuperar nascentes.

Referências

https://heyzine.com/flip-book/c1b1c90d5e.html#page/19

https://reservasdabiosfera.org.br/reserva/rb-pantanal/

http://www2.cemaden.gov.br/estudo-inedito-do-cemaden-aponta-crescentes-impactos-socioambiental-e-economico-provocados-pela-seca-do-pantanal/

https://brasil.mapbiomas.org/2024/11/12/reducao-de-superficie-de-agua-no-pantanal-favorece-incendios/

https://www.researchgate.net/publication/385046205_NOTA_TECNICA_032024_avaliacao_da_situacao_atual_do_fogo_no_Pantanal_-_Outubro_2024